Sempre adorei bastidores de shows, fossem os meus ou os de amigos. Neles é que rolam as melhores conversas, piadas, sugestões e conflitos. Dizem que Elis Regina durante toda a carreira nunca deixou de demonstrar certa ansiedade nos minutos antes de entrar em cena, na ocasião de sua participação no XIII Festival de Jazz de Montreux, a adrenalina era tão grande que a Pimentinha demorou a arredar os pés da coxia.
Neste último final de semana, Tiradentes foi agraciada pelo que de melhor se pode ouvir dentro do cenário do jazz produzido por artistas como Victor Biglione, Guinga, Dudu Lima, Enéas Xavier, Rai Medrado, A C, Big Charles, Tony Oliveira, Magno Alexandre e outros. A convite do idealizador e diretor Vicente Martins, passei cinco agradabilíssimos dias nesta cidade por conta de entrevistar essa rapaziada que entende tudo de música boa.
Entre sol, chuva e a presença do meu fiel gravador, aproveitava sempre a brecha do momento em que algum músico passava um som ou almoçava, para abrir espaço para uma boa conversa. Com o pianista Tony Oliveira, meu primeiro entrevistado, levei um longo bate papo que começou lá no tempo em que ele se apresentava na rádio Tupi, de São Paulo. Tony contou-me dos primórdios de sua carreira, no final da década de cinquenta, época do surgimento da Bossa Nova, quando tocava com o contrabaixista Manuel Gusmão e o baterista João Palma. Entusiasmado, revelou que foi o primeiro pianista que gravou com Jorge Ben no seu disco Mais que nada. O sorriso estampado nos lábios, não ocultava a satisfação pela experiência adquirida em espetáculos históricos como Pobre menina rica (Vinícius de Moraes e Carlos Lyra), no Maison de France. O contrabaixista Dudu Lima, após a realização de um show altíssimo astral ao lado do pianista kakinho Itaboray, abriu caminho para uma conversa agradável em que pudemos compartilhar alguns amigos e lugares em comum, visto que nós dois passamos a adolescência em Juiz de Fora e ainda transitamos por lá. Do contrabaixo acústico ao elétrico, Dudu falou com total despudor das limitações e amplitudes que envolvem o universo inesgotável da música: “A gente estuda o instrumento a vida inteira e ele continua um desconhecido, pois é infinito”. Victor Biglione, o argentino mais brasileiro de todos os músicos: “Lindo é o Brasil, é o meu Rio de Janeiro. Buenos Aires tô fora. Já viajei muito, mas o maior país do mundo para mim é o Brasil.” Com Biglione a conversa rolou solta, o humor cativante desse talentosíssimo guitarrista me fez dar altas risadas. Transitando entre o jazz, a música popular brasileira, o blues e outros gêneros, Biglione presenteou-me com seu recém lançado livro, escrito por Euclides Amaral. Inúmeras fotos ilustram a trajetória desse artista, que é considerado o músico estrangeiro que mais gravou com músicos brasileiros, o número um, brincou ele.
Guinga deu uma demonstração única de qualidade humana. Afetado por uma paralisia que tomou metade do corpo, inclusive a face, não descumpriu o compromisso com o festival. Ovacionado por uma platéia embevecida, Guinga tocou e cantou composições suas ao lado de outros parceiros. Embora cansado, expandiu-se em delicadeza e generosidade ao trocar algumas palavras comigo, falou da alegria que lhe traz a parceria estabelecida com José Miguel Wisnik e das parcerias estabelecidas com Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro e Chico Buarque.
Música, música, música, música. Foi o que mais respirei durante esses dias. Vou contando o restante aos poucos, para não perder o fôlego.
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